Saída da Ford do Brasil reflete mudanças na indústria automotiva

As transformações da indústria automobilística para atender novas demandas de mercado vêm provocando rápidas mudanças na estratégia das montadoras, que agora enfrentam o desafio de aumentar a competitividade ao mesmo tempo em que têm de fazer grandes investimentos em desenvolvimento e pesquisa. Os carros elétricos e autônomos, por exemplo, já são uma realidade nos Estados Unidos e Europa e em breve estarão no Brasil, impactando toda a cadeia do setor.

Os analistas dizem que a indústria automobilística vem tentando se reinventar no mundo todo, e uma das alternativas é focar nos veículos elétricos e híbridos, processo que exige elevados investimentos. A corrida para chegar a produtos viáveis nos mercados globais está deixando para trás empresas e países que entraram tarde, ou ainda nem participam dessa disputa, avalia Cássio Pagliarini, da Bright Consulting.

A perspectiva é que nesse cenário apenas incentivos fiscais não sejam mais suficientes para atrair investimentos no setor, que dependerá cada vez mais de infraestrutura e, sobretudo, de mão de obra qualificada. O fim da produção da Ford no Brasil e, consequentemente, de sua subsidiária Troller, no Ceará, apontam para essa tendência.

O economista Ricardo Eleutério avalia que o desafio agora é buscar formas não apenas para atrair novas empresas, mas para manter as que estão no País.

“Nos anos 50, quando começou esse movimento de transnacionalização da produção de automóveis, um dos principais fatores para a atração dessas empresas era mão de obra barata e depois os incentivos fiscais, creditícios e financeiros, que se tornaram instrumentos de atração desses investimentos. Mas hoje não bastam apenas esses incentivos para atrair essa indústria”, diz. “A modernização industrial e as novas tendências é que vão determinar os movimentos do mercado”.

Em termos de infraestrutura, Alcântara Macêdo, economista e consultor internacional, aponta ser necessário que o Estado atraia fábricas que produzam matéria-prima e peças para a indústria automotiva, além ofertar mão de obra especializada para conquistar montadoras.

“Incentivos, todos os estados do Nordeste dão. O Governo tem que manter esse incentivo, mas, ao mesmo tempo, atrair pra cá a matéria-prima, ou seja, a produção de aço. Nós temos hoje duas siderúrgicas, a CSP e a Silat, comprada recentemente pela Gerdau, que não estão produzindo esse tipo de matéria-prima para uma montadora”, aponta.

“A CSP produz ferro pra exportação. E a Silat poderia se preparar para isso. Se você tem matéria-prima, tem um elemento de vantagem para a indústria. Isso é um problema, um gargalo que nós temos. Os incentivos são exatamente pra contrabalançar essa falta. Se a gente tivesse (matéria-prima) em maior qualidade e quantidade, nossa possibilidade de atração de uma fábrica seria diferente do que é hoje”, aponta.

Já em relação à mão de obra, o consultor destaca que o Estado mantém boa oferta. “Diante das escolas técnicas que temos, engenheiros que estamos produzindo nas universidades, não vejo muito problema. Essa pessoa que passou pela escola de engenharia ou de técnica tem uma instrumentação básica. A adaptação é mais rápida”.

Mercado do Ceará

Embora a indústria automobilística não tenha peso relevante na economia cearense, Heitor Studart, presidente do Conselho Temático de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), destaca a importância da cadeia produtiva em torno do setor, sobretudo no varejo de autopeças, no setor logístico e de serviços.

Ele aponta ainda que a Fiec vem trabalhando para estimular o setor de inovação voltado para energias limpas, o que deverá criar um ambiente favorável para a produção de carros elétricos. “A Europa já traçou diretrizes para, a partir de 2030, não fabricar mais carros a combustão. O presidente da Fiec, Ricardo Cavalcante, quer fazer do Ceará um polo de hidrogênio verde no Pecém, criando um bom ambiente para essas empresas”.

Em relação à fábrica da Troller, em Horizonte, entidades do poder público e privado vêm buscando alternativas para que a fábrica cearense, que permanecerá funcionando até o fim do ano, continue suas operações. O Governo do Estado, o Governo Federal, o setor industrial e a própria Ford já demonstraram que buscam um novo investidor para assumir a planta.

A expectativa é que os benefícios tributários hoje concedidos à empresa facilitem sua venda para outro grupo, nacional ou internacional. “Aqui nós temos incentivos fiscais da Sudene, BNDES e do Governo do Estado. Além disso, temos o Porto do Pecém, que favorece as importações de insumos e as exportações dos produtos. Então, há uma grande possibilidade de termos um outro investidor à frente da empresa”, aponta.

Studart diz, no entanto, que o sucesso das negociações dependerá também do andamento das reformas em âmbito federal, como a tributária e a administrativa. “Num cenário em que as reformas saem e com esses incentivos fiscais, a empresa é muito atrativa para quem for comprar, seja o investidor interno ou externo”, diz. Paralelamente, Studart aponta que hoje há duas empresas, de pequeno porte, interessadas em investir na produção de linhas buggys, mercado em que o Ceará é historicamente competitivo.

Competitividade

No Brasil, a situação do setor já vem em ritmo lento desde a crise de 2014, e foi intensificada pela queda drástica provocada pela pandemia. Não bastasse a situação global, o Governo brasileiro não tem demonstrado interesse em definir uma política industrial que indique se o caminho aqui será o de carros elétricos, híbridos ou híbridos a etanol.

“Está faltando uma orquestração política no setor”, diz Pagliarini, que foi funcionário da Ford por 25 anos. Em sua opinião, “há um perigo muito grande” de outras montadoras seguirem a decisão da Ford. “Temos muita capacidade instalada e não cabem tantas fábricas aqui e no mundo”, afirma.

Apesar do grande mercado nacional, os custos de produção pesam contra o Brasil. Ao comentar o fim da produção da Ford no Brasil, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, disse que a indústria brasileira tem custo R$ 1,5 trilhão superior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que os subsídios não seriam necessários se a carga tributária no Brasil estivesse em linha com a de outros países.

Sobre o risco de outras montadoras tomarem a mesma decisão da Ford, o presidente da General Motors América do Sul, Carlos Zarlenga, disse em entrevista que o mercado brasileiro ainda é atrativo e que ainda vale a pena investir no País. No entanto, ele destacou que o sistema tributário encarece o produto nacional e afeta as exportações. “São problemas de longa data e temos de trabalhar para mudar esse quadro”.

Por Redação do Sobral Pop News com informações do Diário do Nordeste

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