Suspensão de patente de vacinas contra Covid: entenda a proposta à qual os EUA deram apoio esta semana

Os Estados Unidos anunciaram uma mudança histórica em seu posicionamento, defendendo a suspensão para ajudar a acelerar a produção e distribuição de imunizantes a países pobres. Mas o que é necessário para implementar esse processo, como ele funcionaria e quais os argumentos de quem garante que ele não necessariamente ajudaria a resolver o problema?

Na quarta-feira (5), o governo dos Estados Unidos surpreendeu ao anunciar que apoia a suspensão de patentes de vacinas contra Covid-19, e que pretende discutir o assunto com a Organização Mundial do Comércio. Até então, os americanos faziam parte da lista dos países contrários à medida, defendida por nações emergentes como África do Sul e Índia. O Brasil é contra a quebra das patentes.

Na quinta-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, afirmou que a União Europeia está pronta a participar do debate, e recebeu apoio do presidente francês, Emmanuel Macron. Também o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se posiciona a favor da suspensão.

Já a Alemanha, maior potência econômica da UE e sede de um grande setor farmacêutico, rejeitou a ideia. Segundo a agência Reuters, a justificativa do país é de que os motivos da escassez de vacinas são capacidade e padrões de qualidade. Um porta-voz do governo alemão afirmou que “a proteção da propriedade intelectual é uma fonte de inovação e precisa continuar assim no futuro”.

Mas o que exatamente seria essa suspensão, como ela funcionaria e quais são os principais argumentos contra sua adoção?

Veja abaixo perguntas e respostas sobre a questão.

Como funcionam patentes de medicamentos?

As patentes funcionam como uma recompensa à inovação dando exclusividade de produção ao inventor de um produto, o que evita que concorrentes simplesmente copiem a descoberta de uma empresa e lancem um produto rival com uma mesma tecnologia. Nos EUA, as patentes de medicamentos normalmente duram 20 anos a partir do momento em que são registradas, o que geralmente acontece quando uma farmacêutica acredita ter um medicamento importante ou lucrativo.

Como, em média, leva uma década para que um medicamento seja aprovado, as empresas normalmente desfrutam de cerca de mais dez anos de vendas sem concorrência. Mas as farmacêuticas costumam encontrar maneiras de aperfeiçoar seu produto ou ampliar seu uso, e garantem patentes adicionais que podem estender seu monopólio por muitos outros anos.

Por que a proteção das patentes é tão importante para a indústria farmacêutica?

O desenvolvimento de medicamentos é muito caro. A maioria das drogas experimentais falha em algum ponto durante os anos de testes que ocorrem primeiro em laboratório, depois em animais e, finalmente, em humanos. Com o custo médio desses fracassos, normalmente um medicamento custa mais de US$ 1 bilhão desde sua descoberta até a aprovação regulatória. Sem a perspectiva de anos de vendas sem competição, há muito menos incentivo para uma empresa correr esse risco.

Por que os Estados Unidos estão apoiando a suspensão de patentes no caso das vacinas contra Covid-19?

O governo Biden tem estado sob intensa pressão, inclusive de muitos democratas no Congresso, para distribuir vacinas contra Covid-19 para o resto do mundo. O apoio à ideia de isenção lançada pela Índia e pela África do Sul em outubro vem crescendo em outros países, enquanto o surto piora em alguns lugares, especialmente na Índia.

Qual é a posição do Brasil em relação ao assunto?

O Brasil, que tradicionalmente apoiava a quebra de patentes para medicamentos – foi assim com relação a drogas contra o HIV, por exemplo –, se posicionou contra a suspensão no caso das vacinas anticovid, em linha com a postura adotada pelo governo dos EUA durante a gestão de Donald Trump.

Em abril, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, já havia dito não considerar a possibilidade de quebra de patentes como caminho mais eficaz para acelerar a vacinação no país, segundo a agência Brasil. E, nesta quinta-feira, ele afirmou que a posição se mantém. Segundo o chanceler brasileiro, o maior gargalo hoje para o acesso a vacinas e insumos são os limites materiais da capacidade de produção, não os parâmetros relacionados à quebra de propriedade intelectual.

França acrescentou, porém, que o Brasil vai analisar a nova posição americana e afirmou que, se for para atender aos interesses do país, o governo pode mudar de opinião.

Por que os EUA e outros países se posicionaram contra a suspensão das patentes no passado?

Os EUA e alguns outros países ricos lideram o mundo em muitas áreas de pesquisa e inovação, especialmente medicamentos. Além do prestígio que isso confere, as empresas farmacêuticas fornecem milhões de empregos bem remunerados, geram receitas fiscais e fornecem novos medicamentos que podem salvar ou melhorar vidas. As farmacêuticas e seus grupos comerciais gastam milhões todos os anos fazendo lobby junto aos governos para manter o status quo das patentes.

Por que a indústria é tão contrária à iniciativa?

Basicamente, por questões financeiras. Nos EUA, as empresas farmacêuticas podem cobrar o que quiserem por seus medicamentos. Eles normalmente aumentam os preços duas vezes por ano, muitas vezes dobrando ou triplicando-os durante os anos protegidos pela patente. Isso torna as grandes e antigas farmacêuticas algumas das empresas mais lucrativas do mundo. Mas uma grande quantidade de inovação também vem de empresas iniciantes, que dependem fortemente de investidores para financiar pesquisas iniciais. Sem a perspectiva de um grande retorno financeiro, seria muito mais difícil atrair investimentos.

Segundo explica Les Funtleyder, gerente de portfólio de saúde da E Squared Asset Management à agência Associated Press, a indústria estaria mais preocupada com o precedente que a suspensão poderia criar do que em proteger suas patentes para as vacinas contra a Covid-19 em si.

Qual o procedimento para suspender a proteção de uma patente?

A decisão cabe aos 164 membros da Organização Mundial do Comércio, órgão que administra regras comerciais entre as nações. E todos eles teriam que concordar para que isso acontecesse. Se a suspensão for aprovada, os desenvolvedores de vacinas terão que compartilhar seu know-how para a fabricação das vacinas.

Isso já aconteceu antes?

Não há precedente para vacinas, mas há duas décadas os membros da OMC aprovaram uma dispensa temporária que permite aos países pobres importar medicamentos genéricos baratos para HIV, tuberculose e malária em meio a crises de saúde. Essa renúncia, inicialmente temporária, acabou se tornando permanente.

O que a suspensão das patentes de vacinas contra Covid-19 permitiria?

Isso não está totalmente claro, mas os farmacêuticos e analistas alegam que renunciar aos direitos de patente não ajudaria muito a levar as vacinas contra Covid-19 aos países em desenvolvimento mais rapidamente. Isso porque fabricá-las é muito mais complexo do que apenas seguir uma receita, exigindo fábricas com equipamentos especializados, trabalhadores altamente treinados e controle de qualidade rigoroso. Também há pouca capacidade de fábricas disponíveis. Além disso, muitas matérias-primas para fazer as vacinas, junto com frascos, tampas e outros componentes, são escassos, o que não mudará em breve.

Por Redação do Sobral Pop News com  Emily Aragão / Fonte G1

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