Prestes a ser votado no plenário da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), o projeto de lei que institui ao preso do Sistema Penitenciário do Ceará cobrança pelo equipamento de monitoramento eletrônico é polêmico e gera discussão entre os especialistas da área. Até que ponto executar a decisão proferida pelo Poder Judiciário pode depender e ter como consequência um ônus ofertado aos encarcerados?
De acordo com dados da Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará (SAP-CE), em um ano, o número de monitorados quase triplicou. Em março de 2018 eram 1.149 tornozeleiras ativas. Em igual período deste ano já são 3.762. Considerando que a população carcerária no Estado é de quase 30 mil pessoas, o número mostra que um a cada 10 presos utiliza o equipamento.
O projeto de lei, com data de 20 de março de 2019 assinado pelo governador do Ceará, Camilo Santana, destaca que o custo anual do Estado com as tornozeleiras é elevado. Um trecho do documento destaca que “não há dúvida de que esses recursos, pela grande soma que representam, fazem enorme falta em áreas sensíveis e prioritárias à população cearense, como Educação e Saúde. Nada mais razoável que o Estado compartilhar com o preso ou apenado os custos decorrentes dos referidos equipamentos, retirando da população esse pesado ônus”, diz o documento.
Ideia
Ainda no ano de 2010, um dos primeiros a defender o monitoramento eletrônico foi o advogado criminalista Leandro Vasques. Na época, o ex-presidente do Conselho Penitenciário (Copen) apresentou a ideia como meio para desafogar as unidades prisionais. Agora, com o projeto em processo de aprovação, Vasques opina que, pelo fato de o detento estar sob custódia do Estado, é razoável que o próprio Governo suporte o ônus desta alternativa de medida cautelar.
“A alternativa da utilização do monitoramento eletrônico se traduz em uma confissão do Estado para a sua inoperância, na medida em que ele não consegue resolver a questão da superlotação. Se é o Estado que está inovando, cabe a ele suportar este ônus. O Artigo 22 da Constituição Federal, que fala sobre as competências, destaca que compete, exclusivamente à União a legislar sobre Direito Penal, que é o caso. No entanto, via de consequência, compete aos estados legislar sobre Direito Penitenciário, desde que a lei estadual não venha a se conflitar com a Constituição Federal ou com alguma lei federal”, disse o advogado criminalista.
Também ex-presidente do Copen e atual membro da diretoria do Conselho, o advogado Cláudio Justa diz ser inconstitucional o projeto de lei. “É uma obrigação acessória. É uma matéria que não pode ser legislada pelo Estado e ofende o princípio constitucional da individualização da pena. Cabe ao Estado executar a sentença condenatória, sem acrescer penalidade a mais, nem que seja de ordem administrativa”, afirmou.
Já o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cândido Albuquerque, considera não haver inconstitucionalidade no projeto de lei. “O Estado legisla sobre o Direito Penitenciário e não vejo isso como matéria de ordem penal. Como não tem lei federal tratando deste assunto, a lei estadual pode regular a matéria”, discorreu Albuquerque.
Prerrogativas
O valor pelo uso do equipamento é algo que deve ser definido pelo titular da SAP-CE, secretário Luís Mauro Albuquerque. Conforme o documento que vai à votação, o preço vai levar em consideração o custo total do Estado com a aquisição e a manutenção dos aparelhos. A ideia é que quando for instalada a tornozeleira o preso já assine contrato de cessão com o Governo, se comprometendo a arcar com os custos. O benefício não será perdido caso não seja feito o pagamento, mas o nome da pessoa física deve ser inscrito na dívida ativa do Estado.
A reportagem questionou a SAP acerca das opiniões dos especialistas e a projeção da redução dos custos aos cofres públicos. Também foram enviadas perguntas sobre se a estratégia poder vir a interferir no processo de redução da superlotação nas unidades prisionais. Como resposta, a Secretaria informou que o pagamento só será exigido das pessoas que possuírem condições financeiras para arcá-lo.
Segundo a previsão da Defensoria Pública do Ceará, cerca de 80% dos presos não terão como custear a tornozeleira. “Pelo que nós entendemos, só em um preso ser assistido pela Defensoria, não precisa comprovar que não pode pagar pela tornozeleira. Ainda que o Estado arque com esses 80%, já é uma melhora para os cofres”, disse Patrícia Sá Leitão, supervisora das Defensorias Criminais do Ceará.
Diário do Nordeste