Parasita faz história no Oscar e abre caminho para valorização do cinema global

Foi como ver um unicórnio. Eles não existem, certo? Será? 

Depois da 92ª edição do Oscar, é preciso dizer que o mundo, pelo menos o do cinema, já não é mais o mesmo. Ele agora comporta o que antes era inimaginável. Impossível, mesmo. Era, não é mais!

Um filme sul-coreano, que fala (também) sobre diferenças sociais e de como o abismo sócio-econômico faz mundos inteiros desmoronarem, com elenco desconhecido no Ocidente e que custou modestos (para padrões de Hollywood) US$ 11 milhões, venceu, ao mesmo tempo, nas categorias de Melhor Filme e Melhor Filme Internacional (Estrangeiro). Também ganhou as estatuetas de Melhor Direção e Melhor Roteiro Original. Ou seja: os principais da noite.

Zebra? Não, pode chamar de reconhecimento. Se preferir, justiça!

Pela primeira vez, em 92 anos, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood tirou a capa de conservadorismo e se curvou perante o talento em estado puro, independente de sua origem ou de seu tema. E isso não significa só a vitória “Parasita”.

Cada Oscar concedido ao filme abre diferentes portas para a Sétima Arte. Também pode converter e convencer produtores e grandes estúdios a investirem em diretores, roteiristas, elencos, enfim… em bom cinema vindo de todas as partes do mundo. O recado dado no palco do Dolby Theatre, em Los Angeles, é simples e direto: “a genialidade não tem fronteiras”.

Para se ter ideia do que aconteceu, basta lembrar que “Parasita” venceu o favoritíssimo “1917”. Um épico de guerra, dirigido, co-escrito e co-produzido por Sam Mendes ao custo de US$ 100 milhões. Das 10 indicações que teve, o longa britânico, que é perfeito em questões técnicas, mas economiza em empatia com o público, venceu em “apenas” quatro: Fotografia, Mixagem de Som, Edição de Som, Efeitos Visuais. Todos, coerentemente, prêmios técnicos. Coerência, eis a questão.

Não é do feitio dos membros da Academia chancelar a voz do público e de críticos como os que compõem o júri do Festival de Cannes. E é bom lembrar, foi lá que “Parasita” começou sua trajetória de vitórias, mundo afora.

Para quem não sabe, Bong Joon-ho não é exatamente um novato no pedaço. Ele dirigiu “Expresso do Amanhã” (2013) e “Okja” (2017), para citar os dois mais conhecidos. Com “Parasita”, porém, ele deu um salto estratosférico, muito em função do roteiro. Sua direção segura faz o espectador mergulhar na história que se passa entre a periferia e área nobre de uma grande cidade sul-coreana, mas pode ser transmutada para o Bom Jardim/Aldeota ou Favela da Rocinha/Copacabana. Cabe em várias realidades da aldeia global.

Para quem esperava um discurso mais forte, com críticas à indústria do cinema, Bong Joon-ho respondeu com humildade. “Sei que se eu for bem fundo em meu coração serei mais criativo. Gostaria de dividir o prêmio com todos vocês (outros diretores). Mas, agora vou beber até amanhã”. Foi aplaudido de pé. E nem sabia o que ainda viria pela frente.

Quem costuma acompanhar o Oscar, deve ter percebido que havia algo diferente no ar, desde o começo da cerimônia. Esse ano, não houve mestre de… cerimônias. A festa começou como festa de verdade, com um musical estilo Bradway comandado por Janelle Monáe e participação de Billy Porter. Um “pot-pourri” dos filmes indicados, celebrando os talentos presentes. Foi bom de ver. Tinha cheiro de mudança no ar.

E de fato a noite foi especial, só faltou o primeiro Oscar brasileiro para ficar perfeita. Petra Costa sabia que havia poucas chances, até por seu documentário “Democracia em Vertigem” traduzir um olhar muito pessoal. Como ela costuma repetir, é uma “declaração de amor ao Brasil”. Os membros da Academia preferiram olhar para dentro de sua própria vertigem e entregaram o Oscar para “Indústria Americana”, primeira produção da Higher Ground, criada por Barack e Michelle Obama em 2019. Donald Trump, certamente não deve ter ido dormir tão feliz quanto Jair Bolsonaro.

De qualquer forma, o cinema brasileiro estava lá. A despeito das críticas, da polêmica e da polarização ideológica que cercaram a obra por todos os lados, o nosso cinema estava presente. Representado pelo talento e pela força de vontade de Petra e apoiado financeiramente pela Netflix.

Aqui chegamos a outro capítulo. Ainda não foi dessa vez que os filmes de streaming bombaram no Oscar. “O Irlandês” era a grande aposta da Netflix. Dirigido por Martin Scorsese e com elenco estelar – Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci – o longa de 3h29m teve 10 indicações. Não ganhou em uma sequer.

“Dois Papas”, de Fernando Meirelles, também terminou a noite sem nada. Restou à Netflix comemorar a vitória de Laura Dern, Melhor Atriz Coadjuvante, por sua atuação em “História de um Casamento”. Sem esquecer “Indústria Americana”  também exibido no serviço de streaming. Pelo jeito, ainda vai levar um tempo até essa nova forma de fazer cinema engrenar. 

Surpresas de um lado, confirmação de favoritos de outro.

Não tinha como ser diferente. Joaquin Phoenix assombrou a todos com seu “Coringa” violento, visceral, desmedidamente humano. Ficou mesmo impossível não reverenciá-lo. Difícil também não aplaudir o discurso engajado que o ator fez . “Não me sinto acima de ninguém. Nós compartilhamos o mesmo amor pelo cinema e sua forma de expressão. Meu melhor presente é poder dar a minha voz para quem não tem voz”, disse emocionado, citando causas como gênero, racismo, LGBT, indígenas.  

Igualmente gigante em sua atuação, Renée Zellweger levou o Oscar de Melhor Atriz por “Judy: Muito Além do Arco-Íris”. E tem verdade em sua voz quando ela diz que o filme foi uma experiência transformadora. A atriz não se moldou apenas fisicamente. Também vestiu com paixão o papel de cantora. Soltou a voz sem medo de julgamentos e cantou de verdade. E, embora tenha desagradado a Liza Minnelli, filha de Judy Garland, conquistou o público e a crítica.

Por fim, mas não menos importante, a Academia também tentou se redimir se suas próprias falhas. Poucos papeis para artistas negros e quase nenhum espaço para mulheres que dirigem fazem parte da longa lista.

Steve Martin e Chris Rock fizeram um pequeno show de stand up. Alfinetaram geral e fizeram a plateia rir com suas piadas ácidas. Os dois acertaram no alvo. Mas, foi o trio de mulheres empoderadas e poderosas, formado por Brie Larson, Sigourney Weaver e Gal Gadot (Capitã Marvel, Ripley e Mulher-Maravilha, respectivamente), que reiterou a importância de se reconhecer o talento feminino à altura na indústria cinematográfica.

Juntas, elas anunciaram a apresentação de trechos das músicas e trilhas que concorriam na noite de festa. Uma maestrina, pela primeira vez na história da premiação, regeu a orquestra, antes de a compositora Hildur Guðnadóttir – única mulher indicada na categoria – ser anunciada vencedora de Melhor Trilha Sonora por seu trabalho em “Coringa”. Em seu discurso ela mostrou que, definitivamente esse Oscar foi diferente.  

“Mulheres, mães, filhas, todas que escutam a música em si mesmas, por favor, façam-se ouvir. Precisamos ouvir suas vozes”.

Pelo jeito a Academia já começou a ver novos horizontes. Vamos esperar que também ouça as vozes que estão anunciando o futuro do cinema.

Por Redação do Sobral Pop News com informações Diário do Nordeste

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