Trânsito é lugar compartilhado. A postura de um indivíduo impacta na rotina dos demais. Assim, quando o para-brisa e os retrovisores perdem espaço para a tela do smartphone, prejuízos afetam a segurança de muitas pessoas. O uso do celular durante um trajeto é considerado como comportamento de risco e foi motivo para 10.653 autuações em Fortaleza, apenas no primeiro semestre deste ano. Os dados da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) mostram que, em média, cerca de 1.776 notificações foram emitidas por mês na Capital.
Mesmo que o número ainda seja expressivo, houve uma redução de 14,6% nesse tipo de infração, se comparado a igual período do ano passado. Entre janeiro e junho de 2018, foram registradas 12.480 infrações de trânsito pelo uso do celular. “É complicado fazer uma análise precisa, mas demonstra uma conscientização maior dos condutores. A gente vem dando muita ênfase a este comportamento de risco”, analisa o gerente de operação e fiscalização do órgão de trânsito, Disraelli Brasil.
Ele explica que utilizar o celular com fones de ouvido é comportamento que gera infração média, sujeita à aplicação de multa de R$ 130,16 e quatro pontos na carteira de habilitação do responsável pela direção. Já conduzir o veículo com o celular nas mãos é infração gravíssima e pode gerar multa de R$ 293,47, além de sete pontos. As multas também são aplicadas caso o motorista manipule o aparelho enquanto aguarda o trânsito fluir.
“Mesmo parado no sinal é uma infração porque a parada é uma imobilização temporária e também caracteriza uma infração gravíssima”, alerta o gerente de operações do órgão.
Riscos
Diferente do uso de álcool, ou da falta de cinto de segurança, é difícil identificar a distração com aparelhos eletrônicos como a causa de acidentes. Ainda assim, é possível dimensionar os riscos do hábito, como alerta Dante Rosado, coordenador executivo da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária. “Existem estudos que mostram que, quem usa celular, tem quatro vezes mais chances de se envolver num acidente” de trânsito.
Esta conclusão é percebida pela estudante de direito Thalia Borges, 22, que há quatro anos utiliza o carro cotidianamente. “Faz muita diferença ter toda atenção no trânsito ou porque tem alguém na bicicleta, ou porque alguém está atravessando fora da faixa, ou o motorista da frente freou muito rápido”, relata. Thalia avalia que “muita gente é mal educada no trânsito” ao não respeitar a sinalização e os limites de velocidade.
A situação reforça a importância de não se distrair usando celular, reforça a universitária. “Eu percebo que todo mundo quer ser o primeiro, sempre sair na frente e ser o mais rápido”, comenta. Entre as vivências, ela diz que chama a atenção os casos em que pessoas distraídas batem o carro ainda no estacionamento da universidade.
Há 14 anos como motorista, a maquiadora Gisa Abreu, 40, entende a redução das infrações de trânsito envolvendo celular como resultado da aplicação de multas. No entanto, ela relata que o cotidiano nas ruas da cidade ainda gera situações de muito estresse. “Um carro saindo do estacionamento, a pessoa estava falando ao celular, veio para cima de mim no começo da Bezerra de Menezes, onde tem ‘gelo baiano’. Tive que desviar pro lado quase subindo a barreira”, diz, recordando o transtorno que passou por distração de outro condutor.
Fiscalização
Dante Rosado reforça a importância da presença dos agentes de segurança viária nas vias para o combate a irregularidades que possam gerar acidentes. “Uma forma para a gente evitar que as pessoas cometam esse tipo de infração é tendo fiscalização constante apoiada por ações educativas”, frisa. Ele entende como negativa a suspensão do sistema de videomonitoramento, anunciada pela 1ª Vara Federal do Ceará, no início de setembro. A decisão, com repercussão nacional, ainda será julgada em segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), em Recife, Pernambuco.
Entre as ações educativas, Dante diz que é preciso esclarecer de forma objetiva os riscos que envolvem a má conduta. “Se você estiver a 60 km/h numa rodovia e se distrair com o celular por três segundos, você terá percorrido 50 metros. Se um pedestre ou uma criança aparecer na sua frente, você não irá conseguir parar o veículo”, exemplifica.
Bloqueio de chamadas
No âmbito nacional, a realidade também é preocupante. Um estudo da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) mostrou que, por dia, cerca de 150 motoristas se envolvem em acidentes de trânsito em decorrência do uso do celular. Como forma de reduzir essas estatísticas, no fim de setembro, foi lançado o aplicativo Modo Trânsito DPVAT, que bloqueia ligações e mensagens enquanto o condutor estiver no trânsito.
A plataforma, criada pela Seguradora Líder, também envia mensagens para quem tenta fazer contato com o usuário do aplicativo, como: “Estou dirigindo. Para garantir a minha segurança e de todos, respondo em breve”. O texto pode ser personalizado por pessoa ou por grupo. Desde o último dia 25, o Modo Trânsito está disponível para o sistema Android e já foi instalado em mais de 10 mil aparelhos. Até o fim do mês deve ser lançada a versão iOS.
Dante Rosado entende a ferramenta como um suporte ao motorista que já foi sensibilizado sobre os riscos de se distrair na direção, mas que o recurso não dispensa as ações educativas e de fiscalização. “Esse aplicativo é bem-vindo, se soma ao esforço para dar uma alternativa à população que não está viciada nesse comportamento. Ele auxilia as pessoas que querem mudar, mas primeiro precisam entender as consequências desse comportamento de risco”, conclui.